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segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O ÓDIO NO BRASIL


            Na década de 1930 foram produzido três grande livros sobre a história do Brasil: Casa Grande e Senzala, Raízes do Brasil e Formação Econômica Brasileira, em 1936 quando foi lançado pelo Sérgio Buarque, Raízes do Brasil, deu margem a um debate dizendo que nós brasileiros éramos homens cordiais e a característica da cordialidade seria a generosidade e a nossa civilidade destacado por todos os visitantes do século XVIII e XIX. Em essência ele diz que somos O Homem Cordial, o que  pode ser interpretado como uma leitura conservadora que nega a violência, sentimentos de ódio que vão do racismo ao preconceito social.



             O pensamento de Sergio Buarque parecia ocultar o fato que nos desenhos de Debret no século XIX, na repressão ao Quilombo dos Palmares no século XVII, na forma em que se mata Zumbi, na própria instituição da escravidão havia uma característica de ódio. Quando houve a repressão a Canudos, a maneira com que se executou todo o Arraial, chegando a se sepultar a memória da cidade com uma represa que vai cobri-la, havia um ódio profundo. Na Guerra do Contestado se usa inclusive avião para reprimir gente brasileira, quando se reprime o cangaço com violência e especialmente ao bando de Lampião com a decapitação, mostra que não são cenas de um país pacífico.



            Na verdade essa discussão de nossa pacificação é fruto de um preconceito construído. Na Cabanagem, Balaiada, revolução de 32 de São Paulo, não é utilizada em nenhum momento a expressão Guerra Civil. Sempre visto como movimentos isolados, mas não Guerra, nos viveríamos apenas agitações. Mas vivemos na verdade, uma situação de violência, matamos o equivalente a um Vietnã só no trânsito, mas temos como característica central que a violência é sempre do outro. No Brasil temos ódios econômicos, sociais e políticos, mas temos um generalizada incapacidade de perceber o ódio em nós, mas uma capacidade profunda de nota-lo no outro.



            Hoje somos capazes de assistir cenas de luta em que homens se esbofeteiam até ficar ensanguentados e ao invés de sermos internados com transtorno violento nos pagamos ingressos para isso no pay per view. É a violência, especialmente a masculina que nos seduz e que nos deleita. Mas entendemos que a violência é sempre no outro, no vizinho, no síndico, na esposa ou no namorado, nos filhos que nos respondem com agressividade, dentro de nós intuímos que somos sempre um poço de equilíbrio e cordialidade. O que mostra que nossas narrativas sobre nós são sempre pacíficas. Dai penso em Hannah Arendt quando dizia que o mal não está inteiramente fora das pessoas, não seria um monstro de olhos verdes como Shakespeare definiu o ciúme, o mal é banal, comum, está disseminado.




            Penso que o que existe no Brasil é uma dualidade cínica entre cordialidade e violência, entendo que um caminho para minimizar esse fosso seria parar de fingir que as pessoas não têm preconceito, que não existe violência, diferença de renda, se vivemos em um sistema classificatório e diferenciador o preconceito nos atinge, reconhece-lo é o primeiro passo para a superação. 

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A HISTÓRIA DA SEXUALIDADE BRASILEIRA




Histórias Íntimas da escritora, Mary Del Priori de 2011, foi escrito dentro da linha da micro história e procura compreender a sexualidade brasileira indo além dos números oficiais, espreitando as frestas das portas, adentrando os quartos e traçando um perfil da intimidade dos brasileiros. Para a construção do livro, a historiadora não encontrou muitos documentos oficiais, o seu trabalho foi construído com base em tratados médicos, observações religiosas, pinturas e poesias. O período que o livro abrange vai dos séculos XVI, XVII, XVII período do Brasil Colônia, século XIX, período que a autora considera como o século hipócrita, e século XX, que passa pelos anos 1950, período militar até chegar na nossa contemporaneidade.


No período colonial havia regras e leis que limitavam as práticas relacionadas ao sexo e ao erotismo, a coletividade era mais importante do que o individual, não existia a ideia de sistema privado, tal como o conhecemos hoje, os interesses eram familiares. Sabia-se o que todos faziam, conforme o que mostra os arquivos da Inquisição, a Igreja controlava o comportamento dos casais, que não tinham conteúdo erótico ou sexualizado. Beijos, toques e coitos interrompidos eram proibidos.


A medicina de mãos dadas com a Igreja via a paixão como uma doença que precisava ser interrompida. O amor patológico deveria ser tratado com chás, unguentos e outros tipos de alimentos. O mais interessante desse período colonial é que não era raro se manter relações sexuais no ambiente das sacristias das  Igrejas e confessionários, estas eram rápidas e com as pessoas parcialmente cobertas.


No século XIX os médicos pareciam ter obsessão por sexo, já que falar do assunto era tabu,  e essa prerrogativa era da ciência médica, que lutava contra os chamados “desvios sexuais”: homossexualismo, histerismo, ninfomania, entre outros. As relações sexuais deveriam ser rápidas e cumprir unicamente a função de procriar. A honestidade da mulher era medida pelo seus grau de pudor em relação ao sexo e ao prazer que era controlado pelo esposo.



Mesmo o casamento sendo sagrado, traia-se a olhos vistos, as prostituas, mesmo discriminadas salvavam a família burguesa, com elas, os jovens poderiam se iniciar sexualmente e liberar as pulsões na idade adulta, coisas que não poderiam fazer no leito conjugal. Chocando-se com a rígida moral que procurava se instalar, por meio de uma nascente literatura pornográfica, escondida a sete chaves das mulheres.


No século XX, com a República, inicia-se uma nova vida para o corpo, esse não é mais coberto com véus e longos vestidos, a vida urbana exigia um corpo leve, que frequentava novos espaços de sociabilidade como cinema, estádios, escritórios, a mulher moderna quebrava tabus ao despir as pernas, e para muitos, estava sendo instaurada a devassidão. Mas se valorizava a virgindade, o papel da mulher no casamento, que era a responsável pela manutenção deste e a tolerância a infidelidade do marido continuava.


Nas últimas décadas do século XX foram de liberação quase total. O nu feminino invadiu as telas do cinema brasileiro por meio das pornochanchadas; as modas minimalistas tomarem conta das ruas e praias por meio das minissaias, dos biquínis, dos calções e do topless; a pílula anticoncepcional liberou da mulher o fantasma da gravidez indesejada; o número de divórcios se ampliou; as relações homoafetivas ganharam espaços; a televisão construiu um novo modelo de mulher, liberada, livre das amarras do casamento e que trabalha fora; revistas destinadas ao público feminino passaram a falar abertamente em sexo, orgasmo e fetiches; a literatura pornográfica delimitou seu espaço nas bancas de revistas.


O interessante de Memórias Íntimas é a reflexão que ele suscita após a leitura, o afloramento das marcas que marcam a nossa moralidade, enquanto grupo cultural, somos indivíduos de múltiplas caras: virtuosos e pecadores; permissivos e autoritários; severos com os erros dos outros, mas indulgentes com os nossos; em grupo, politicamente corretos, mas preconceituosos e homofóbicos na intimidade; exigentes dos direitos, mas descumpridores dos deveres, são nossas contradições.


O livro é leitura extremamente prazeirosa e embora o tema não seja inédito nos convida a um voyeurismo históriográfico num museu de sexualidade e erotismo. 

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

A HISTÓRIA DA LOUCURA DE MICHEL FOCAULT




Minha história com os livros sempre foi uma história de amor, lembro que quando estava na faculdade tinha uma banca com uma vendedora que expunha e vendia livros, aquilo para mim era o melhor lugar da Universidade e perco as contas de quantas vezes me ausentei das aulas para ficar naquele espaço e  conhecer as novidades técnicas e literárias. Numa dessas visitas lembro de uma colega falando que tinha em casa a História da Loucura de Michel Foucault, depois disso, trabalhei com Foucault durante o mestrado e em minha trajetória como professora, conheci vários textos, mas só li História da Loucura esse ano, dez anos após ter terminado a graduação.


Ler a obra é revolucionar nosso olhar sobre a loucura, e as relações entre razão e desrazão como paradigmas do pensamento ocidental. O livro dialoga com as mais diferentes áreas de conhecimento como história, filosofia, psicologia, medicina, psiquiatria, psicanálise, a literatura e as ciências humanas em geral. O interessante é que Michel Foucault é um crítico mordaz do cientificismo puro e do academicismo e nesse ponto, me encontro totalmente afinada com o seu pensamento. Além de ter sido militante político e defender o direito dos loucos, prisioneiros e homossexuais.


A obra nos permite pensar a questão da loucura sob um outro prisma, que abala as estruturas tradicionais do racionalismo moderno, aquele que se encontra sacralizado no pensamento ocidental como sendo a verdade absoluta. Ele revira nossas tradições, nossos modos de existência. Publicado em 1961 como tese de doutorado do autor o seu texto continua atual.


História da Loucura, realiza uma investigação das diferentes formas de percepção da loucura, no período compreendido entre o Renascimento e a Modernidade. Antes do século XVII a loucura tinha uma outra percepção social, após esse período foi introduzida a prática de exclusão como necessidade de ordenação do espaço público. O interessante é que ele mostra que a psiquiatria desde o seu nascimento sempre teve em crise, pelo menos no que está relacionado a cientificidade e a neutralidade.


O grande mérito da obra é nos permitir escapar da definição da loucura como doença mental, percebendo o processo de constituição desta como uma construção através de uma análise histórica sobre a medicalização e psiquiatrização da sociedade. Após História da Loucura é possível e real, a negação para o internamento e isolamento do paciente com doenças mentais. Além de nos fazer refletir  que tratamento damos para o diferente na nossa sociedade? 

sábado, 2 de novembro de 2013

PARA O GRANDE DARCY RIBEIRO




            Compreender o Brasil, passa pelo conhecimento de grandes nomes que defenderam de forma intransigente, os interesses do país, falo aqui, do mineiro Darcy Ribeiro, mas, representante de todo o país. Figura emblemática, polêmica, defendeu de forma veemente durante toda a sua vida duas bandeiras: a educação brasileira e o direito dos índios, daí o caráter humanista de sua pessoa. Ajudou a  criar o Parque do Xingu, o Museu do Índio e a Universidade de Brasília.


            Sua formação de antropólogo e sociólogo, lhe deram uma visão acurada das questões nacionais. Viveu temporadas entre os indígenas, e dessa experiência deu origem a envolvente obra Diários Índios: os Urubu Kaapor. A leitura dessa obra tem a capacidade mágica de nos fazer viajar com Darcy para as florestas do Maranhão, nos anos 1950 onde viviam esses povos. É a construção de um cotidiano que nos causa estranhamento diante da minúcia da descrição dos hábitos e costumes de uma cultura diferente da nossa.


            As vezes me faço um questionamento o que teria levado esse homem tão jovem, de apenas 27 anos a se embrenhar na solidão das florestas tropicais? Dos diários o que li foi a obra citada acima, esta apresenta uma leitura leve, é despretensioso, coloquial, possibilita uma agradável leitura. Penso na descrição dos Urubu Kaappor e vejo que se trata de um dos melhores estudos antropológicos brasileiros.


            O que me seduz em seu pensamento e em sua obra, é que com ele a palavra “selvagem” assume uma nova conotação, livre do peso, pejorativo usado por outros autores, aqui eles são os “moradores da floresta”, prova de sua relação respeitosa com esses povos. Darcy tem a garra, com um misto de romantismo dos utópicos, vejo isso, quando dedicou seus últimos dias a consolidar o projeto de fixar os “verdadeiros donos da terra" à Floresta Amazônica, isso fica explícito em sua próprias palavras :
“Dediquei a vida aos índios, à minha paixão por eles e também à escola pública. Minha vida é feita de projetos impessoais para passar o Brasil a limpo, porque o Brasil é máquina de gastar gente. Gastou seis milhões de índios e o equivalente de negros. Para eles? Não! Para adoçar a boca do europeu com acúcar, para enriquecer uns poucos. O povo foi gasto como carvão neste país bruto”.