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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

DO OUTRO LADO: A HISTÓRIA DO SOBRENATURAL NO BRASIL


            Para quem se interessa pela história dos costumes brasileiros em especial pelo período do século XIX os livros da historiadora Mary Del Priori são uma escolha acertada. Sua última publicação foi o livro Do Outro Lado (2014) que traz a história do sobrenatural e do espiritismo kardecista no Brasil. Sua instigante prosa mostra um país rural que sentia medo da noite e da escuridão e de como os brasileiros acreditaram de tudo um pouco, ido das religiões africanas, a Igreja Católica e o Espiritismo europeu que aqui encontrou grande aceitação.



            Considero o livro importante por explorar aspectos peculiares, essenciais à compreensão de nossa sociedade. A autora mostra de forma detalhada com base em textos da imprensa da época como nossos antepassados lidavam com a questão do sobrenatural num tempo em que a ciência e a razão burguesa triunfavam no mundo e de como o Espiritismo europeu floresceu no Brasil entre pessoas brancas de um nível econômico e social mais elevado do que o restante da população.



            No texto ela mostra fenômenos comuns a época como: as mesas girantes, cartomantes, curandeiros, magnetismos, sonambulismos e outras formas consideradas possíveis de entrar em contato com o mundo sobrenatural. Em suas páginas desfilam personagens peculiares como: pessoas possuídas pelo demônio, curandeiros, sonâmbulos e exorcistas. O livro mostra também a perseguição da Igreja Católica, majoritária como doutrina de fé na época, a imprensa e a nascente República com as práticas não tradicionais de professar a fé.




            Particularmente gostei do livro, leitura leve e agradável que o fiz em duas vezes. Narrativa imparcial baseada em dados reais do período a que se refere. Chama a atenção tanto daqueles que creem, como os que não creem em nada, mas acima de tudo seu maior mérito é abrir mais uma fresta da cortina do passado da sociedade brasileira, procurando compreender nossos costumes cotidianos.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A HISTÓRIA DA SEXUALIDADE BRASILEIRA




Histórias Íntimas da escritora, Mary Del Priori de 2011, foi escrito dentro da linha da micro história e procura compreender a sexualidade brasileira indo além dos números oficiais, espreitando as frestas das portas, adentrando os quartos e traçando um perfil da intimidade dos brasileiros. Para a construção do livro, a historiadora não encontrou muitos documentos oficiais, o seu trabalho foi construído com base em tratados médicos, observações religiosas, pinturas e poesias. O período que o livro abrange vai dos séculos XVI, XVII, XVII período do Brasil Colônia, século XIX, período que a autora considera como o século hipócrita, e século XX, que passa pelos anos 1950, período militar até chegar na nossa contemporaneidade.


No período colonial havia regras e leis que limitavam as práticas relacionadas ao sexo e ao erotismo, a coletividade era mais importante do que o individual, não existia a ideia de sistema privado, tal como o conhecemos hoje, os interesses eram familiares. Sabia-se o que todos faziam, conforme o que mostra os arquivos da Inquisição, a Igreja controlava o comportamento dos casais, que não tinham conteúdo erótico ou sexualizado. Beijos, toques e coitos interrompidos eram proibidos.


A medicina de mãos dadas com a Igreja via a paixão como uma doença que precisava ser interrompida. O amor patológico deveria ser tratado com chás, unguentos e outros tipos de alimentos. O mais interessante desse período colonial é que não era raro se manter relações sexuais no ambiente das sacristias das  Igrejas e confessionários, estas eram rápidas e com as pessoas parcialmente cobertas.


No século XIX os médicos pareciam ter obsessão por sexo, já que falar do assunto era tabu,  e essa prerrogativa era da ciência médica, que lutava contra os chamados “desvios sexuais”: homossexualismo, histerismo, ninfomania, entre outros. As relações sexuais deveriam ser rápidas e cumprir unicamente a função de procriar. A honestidade da mulher era medida pelo seus grau de pudor em relação ao sexo e ao prazer que era controlado pelo esposo.



Mesmo o casamento sendo sagrado, traia-se a olhos vistos, as prostituas, mesmo discriminadas salvavam a família burguesa, com elas, os jovens poderiam se iniciar sexualmente e liberar as pulsões na idade adulta, coisas que não poderiam fazer no leito conjugal. Chocando-se com a rígida moral que procurava se instalar, por meio de uma nascente literatura pornográfica, escondida a sete chaves das mulheres.


No século XX, com a República, inicia-se uma nova vida para o corpo, esse não é mais coberto com véus e longos vestidos, a vida urbana exigia um corpo leve, que frequentava novos espaços de sociabilidade como cinema, estádios, escritórios, a mulher moderna quebrava tabus ao despir as pernas, e para muitos, estava sendo instaurada a devassidão. Mas se valorizava a virgindade, o papel da mulher no casamento, que era a responsável pela manutenção deste e a tolerância a infidelidade do marido continuava.


Nas últimas décadas do século XX foram de liberação quase total. O nu feminino invadiu as telas do cinema brasileiro por meio das pornochanchadas; as modas minimalistas tomarem conta das ruas e praias por meio das minissaias, dos biquínis, dos calções e do topless; a pílula anticoncepcional liberou da mulher o fantasma da gravidez indesejada; o número de divórcios se ampliou; as relações homoafetivas ganharam espaços; a televisão construiu um novo modelo de mulher, liberada, livre das amarras do casamento e que trabalha fora; revistas destinadas ao público feminino passaram a falar abertamente em sexo, orgasmo e fetiches; a literatura pornográfica delimitou seu espaço nas bancas de revistas.


O interessante de Memórias Íntimas é a reflexão que ele suscita após a leitura, o afloramento das marcas que marcam a nossa moralidade, enquanto grupo cultural, somos indivíduos de múltiplas caras: virtuosos e pecadores; permissivos e autoritários; severos com os erros dos outros, mas indulgentes com os nossos; em grupo, politicamente corretos, mas preconceituosos e homofóbicos na intimidade; exigentes dos direitos, mas descumpridores dos deveres, são nossas contradições.


O livro é leitura extremamente prazeirosa e embora o tema não seja inédito nos convida a um voyeurismo históriográfico num museu de sexualidade e erotismo.