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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

MORTE E VIDA SEVERINA


            Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto é daqueles livros que a leitura dura toda uma vida, tenho sempre a mão, já falei sobre ele em outros momentos aqui no blog. Na minha estante ele tem um papel de destaque. O auto de natal pernambucano, combina estrutura rigorosa e temática popular. Situado na terceira geração do Modernismo, o recifense João Cabral de Melo Neto (1920-1999), tem textos claros, objetivos, despojados de qualquer ornamentação.



            Embora fizesse parte da chamada geração de 45 que procurou desbastar os excessos do Modernismo por meio de um rigor formal de moldes parnasiano-simbolista, João Cabral soube superar os limites dessa vertente. O propósito de Cabral de cortar dos versos todos os elementos supérfluos inclusive os musicais, na busca por uma objetividade, empresta a sua poesia uma áspera expressividade de grande frescor.



            Gosto de Morte e Vida Severina , porque no texto harmonizam-se forma e temática social. O autor trata da luta de Severino, um retirante do agreste, pela sobrevivência. Guiado pelo rio Capibaribe rumo ao litoral, Severino busca chegar a capital, almejando uma vida digna. Pelo caminho depara-se com as diversas facetas da morte, causada pela seca; pela fome, que corrói as entranhas do país, e pela disputa por terras áridas.



            Ele tenta a todo custo fugir da destruição e corre em busca da perspectiva de dias melhores, mas a cidade grande revela uma situação tão dura quanto a do sertão. Diante de tal situação Severino planeja o suicídio atirando-se da ponte sobre o rio Capibaribe, que o guia até ali. Contudo, após presenciar o nascimento de uma criança reacende-se no coração do herói a esperança de vencer a vida severina, e Severino acaba por desistir de seu intento.




            Para mim esses versos são inesquecíveis: O meu nome é Severino, 
como não tenho outro de pia. 
Como há muitos Severinos, 
que é santo de romaria, 
deram então de me chamar 
Severino de Maria 
como há muitos Severinos 
com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria 
do finado Zacarias.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O PROCESSO DE KAFKA



            O Processo é considerado como o melhor livro do Tcheco Kafka paradigma da literatura moderna mundial, o mais interessante é que se trata de uma obra inacabada, como se estivesse em processo de construção. O livro apresenta as mais diversas explicações para sua origem desde as biográficas que tentam achar a vida de Kafka na obra as psicológicas que vem o texto como elementos do superego do autor.



            Entendo o livro como uma crítica a burocracia do Estado e a própria lei. Pelo título imagina-se que se trata de um processo jurídico, mas não é, pela leitura se descobre um tribunal que não é convencional, os convencionais se encontrariam dentro desse tribunal maior a que ninguém tem acesso, além do mais não é um único processo que está em questão. O romance mostra a existência do Josef K que vai se degradando a cada capítulo.  



            O livro começa dizendo que alguém deve ter caluniado Josef K, mas que este não teria feito mal algum é aí que reside o melhor da obra porque é levado ao pé da letra os efeitos que uma calúnia pode ter na vida do indivíduo, ele pode ser aniquilado psiquicamente e socialmente como K. A história é construída dentro do cotidiano corriqueiro o que aproxima de nós, o pesadelo do protagonista não é onírico é real ele assim como nós é mero objeto em poder das instituições modernas.



            O Processo é um livro marcado pelo desencantamento do mundo e pela racionalização que o homem deveria ser levado ao esclarecimento proporcionado pela vida moderna. A linguagem aponta para um componente entre dominador e dominado. A ação e a caracterização dos personagens mostra o que há de desprezível e parasitário nos detentores do poder, bem como o sofrimento que imprimem na vida dos impotentes. Obra magistral e essencial para compreensão do nosso mundo e das instituições que estamos submetidos. 

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

REVENDO CLARICE



            Em vários momentos de minha vida, inusitadamente os mais difíceis sempre recorri a obra de Clarice Lispector, credito ao seu livro A Descoberta do Mundo, grande parte do meu entendimento sobre o mundo. Clarice revela sua alma através de sua escrita, em trechos simples pode-se sentir isso como: por que o cão é tão livre? Porque ele é o mistério vivo que não se indaga.


            Filha de família Judia, Clarice nasceu em 1920 na Ucrânia, criou-se no Nordeste brasileiro e fez carreira no jornalismo e na literatura no Rio de Janeiro, então capital do país. Viveu o Rio em seu apogeu de cidade culta, cosmopolita, centro do poder político nacional e ainda sem a barbárie atual.


            Marcou desde a estreia a impressão crítica e do leitores por traços raros no cenário da língua portuguesa: fez diminuir o valor do enredo e arredou para o fundo do palco o registro da vida social que foi a tônica da geração anterior à sua no romance, tudo isso em favor de uma elaboração mais sutil da linguagem, um empenho para imprimir na superfície do texto as tensões profundas de suas personagens.


            Ela sempre foi mais do que uma novidade psicológica, mas alguém que tinha uma tentativa de fazer a linguagem ser ela mesma um elemento de interesse para o leitor, que era convocado a aderir a ficção num patamar inédito no Brasil. Sua obra durante a sua vida só cresceu, ela queria que a revelação se fizesse ali, diante dos olhos do leitor diante daquelas palavras que sua prosa ia dispondo por meio de frases enganosamente lineares.


             Clarice sempre me deu alimento, com sua ficção que se vale de traços auto piedosos, o que nem de longe apaga a força dos seus acertos, que ocorrem especialmente quando sua literatura confronta os limites da representação do real vivido. Sua escrita é tão profunda que ela queria a vida e a arte ao mesmo tempo. 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA



            Na Cidade em que moro, a prefeita foi afastada do cargo pela justiça 12 vezes por conduta vedada pela lei no período das eleições, o ambiente social divide opiniões que quase sempre são inflamadas por paixões antagônicas em que cada um a sua maneira, defende seus próprios interesses, ninguém pensa na coletividade propriamente dita. Passeando pela estante de livros que tenho, vi Triste Fim de Policarpo Quaresma, que li na adolescência e resolvi rever agora para tirar algumas observações sobre o impasse do mundo político e social.



            Lima Barreto não conheceu notoriedade em vida. Foi preciso que o tempo lhe fizesse justiça. Triste Fim de Policarpo Quaresma sua obra mais famosa, se consolidou como um clássico, porque nasceu de um lance de gênero e traduziu os impasses do Brasil do seu tempo. No romance, o major Policarpo Quaresma, vive de idealismos nacionalistas. A primeira parte o retrata como um nacionalista que vive em seu gabinete cercado de livros, alimentando uma imagem distorcida do país; a segunda parte, como um proprietário de terras que percebe que as saúvas são arrasadoras para a plantação. A terceira, como voluntário na Revolta da Armada, que é preso após criticar o Marechal Floriano Peixoto, a quem idealizava.



            Quando Quaresma se dá conta da própria postura quixotesca está prestes a ser executado pelo exército. Quaresma queria basicamente três reformas: da cultura, da agricultura e da política, quanto a isso, ele continua mais atual do que nunca. Seu sonho mais singular foi de oficializar o tupi-guarani como idioma brasileiro. Certas desventuras e encantos do protagonista, poderiam ser vistas como do próprio autor, mas seu brilhantismo nesse romance passa ao longe da autobiografia.





            Lima Barreto carregou preconceitos ao longo da vida, filho de mestiços ficou órfão de mãe aos 7 anos e mais trade viu o pai enlouquecer; tendo de amparar a família, não conseguiu terminar o curso na Escola Politécnica. Enfrentou depressão e alcoolismo e foi internado duas vezes no Hospício Nacional. Ele foi sobretudo, um intelectual combativo que, também marginalizado no meio literário, expressava as contradições de uma sociedade que ainda vivia a transição da Monarquia para a República. O que mais gosto da leitura desse livro é sua ironia sarcástica do momento histórico que retrata.



            Triste Fim de Policarpo Quaresma se insere no Pré-Modernismo brasileiro pela forma e temas que desenvolve. A rejeição de Barreto ao eruditismo e ao rebuscamento estilístico se explica como uma postura de oposição a chamada elite literária; com isso, seu coloquialismo antecipava características modernistas. Livro indiscutível para repensar os interesses coletivos de uma sociedade.