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terça-feira, 26 de agosto de 2014

MEMÓRIAS DO CÁRCERE DE GRACILIANO RAMOS


            Nos 60 anos da morte de Getúlio Vargas pensei em ver um dos episódios mais sombrios do seu governo a prisão do literato Graciliano Ramos, reproduzida com base no seu livro Memórias do Cárcere levado ao cinema pelas hábeis mãos do cineasta Luís Carlos Barreto e estrelado por Carlos Vereza em 1984. O filme dura três horas e sete minutos e exibe as humilhações sofridas por um homem detido sem processo sob suspeita de ter participado da Aliança Nacional Libertadora, a frente ampla organizada para combater as sombras do fascismo que Getúlio ameaçava projetar sobre o país.


            A via crucis de Graciliano começa na noite de 3 de março de 1936 quando ele aguardou paciente em sua casa com a esposa e os filhos esperando para ser preso. Graciliano passou pela Colônia Penal de Ilha Grande onde conviveu com assassinos e delinquentes comuns e na Casa de Detenção onde conviveu com intelectuais e militares de alta patente. Presenciou as atrocidades da ditadura getulista, como a deportação de Olga Benário Prestes, que também estava presa na ala feminina na Casa de Detenção, grávida de oito meses. Olga mulher do comunista Luiz Carlos Prestes morreria num campo de concentração nazista.


            O filme pretende ser uma elegia a liberdade e mostrar o cárcere como uma metáfora da sociedade brasileira. Revelando uma cadeia no sentido mais amplo, a cadeia das relações sociais e políticas que aprisionam o povo brasileiro. O filme baseado na obra homônima de Ramos contribuiu imensamente em ajudar que o Estado Novo fosse visto erroneamente, já que as pessoas tendem a ver o segundo Vargas, aquele da década de 1950. O texto de Graciliano Ramos muito bem adaptado no filme é de uma limpeza formal absoluta e constitui um documento político de inestimável valor.
           

terça-feira, 6 de maio de 2014

TODAS AS MULHERES DO MUNDO


            Todas as mulheres do mundo (1966) de Domingos Oliveira com Leila Diniz e Paulo José é daqueles filmes que se tornaram clássicos do cinema nacional, lição obrigatória para quem discute, estuda, ou gosta de cinema. Comédia romântica de estética modernista, claramente influenciada pela Nouvelle Vague francesa, surge no contra fluxo temático e ideológico do cinema novo sendo taxada de “alienada” pela facção engajada da crítica. O filme foi um sucesso arrebatador de público, diferente de outros com estética menos palatável de sua época, colocava o indivíduo e seus afetos mais íntimos no centro das atenções.



            O filme não entra em questões sociopolíticas, o diretor investe no infatigável enredo romântico, apresenta traços autobiográficos, à época separado da atriz Leila Diniz, Oliveira oferece à ex-companheira o papel de Maria Alice, em uma trama que recria ficcionalmente aspectos de sua recente (e mal-curada) relação. O enredo de Todas as mulheres do mundo acompanha o reencontro fortuito entre dois jovens amigos: Paulo, um conquistador “incorrigível” (Paulo José, alter ego de Oliveira), e Edu (Flávio Migliaccio), um solteiro convicto. Inicia-se ali o longo diálogo que pontua a trama entre o narrador Paulo e seus atentos interlocutores.



            A estrutura narrativa do filme é composta a partir da colagem das memórias de Paulo em flashback, que descreve o percurso acidentado de sua história de amor com Maria Alice (Leila Diniz). Desde as artimanhas da conquista, passando por sucessivas brigas e reconciliações, o romance tem um desfecho tão banal, quanto surpreendente.  Quando finalmente cede ao matrimônio, Paulo assume um estado de indisfarçável excitação (evidenciado pela eufórica na atuação de Paulo José), como se após cumprir este ritual de passagem, o pesado ônus da liberdade juvenil lhe fosse tirado dos ombros.



            O filme culmina com o final feliz dos contos de fada, fato irônico, porém condizente com a utopia amorosa que Oliveira (ele próprio um confesso “Don Juan”), deseja urdir no universo possível da ficção. Gostei de ver o filme porque apresenta questões que hoje ainda reverberam como um equilíbrio delicado: de um lado, a franca consciência masculina sobre as prementes reivindicações da mulher e de outro, a resistência deliberada contra estes avanços, o que ainda limita até hoje questões de gênero dentro da relação tradicional entre homem e mulher.